A paranoia da inflação e hipocrisia dos burgueses
7/6/2013 13:58
Por João Pedro Stedile - de São Paulo
Por João Pedro Stedile - de São Paulo
Com isso, colocam o tema dos preços como um fantasma atrás da porta de cada família brasileira, prestes a assaltá-la e tomar o seu dinheiro.
A construção dessa paranoia começou com a divulgação de matérias sensacionalistas sobre o aumento do preço do tomate, como se a valorização desse alimento tivesse de forma isolada incidência real na inflação dos gastos da maioria da população.
Qualquer estudante do primeiro ano de economia já sabe que os estudos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e da Fundação Getúlio Vargas têm diversos itens do orçamento doméstico médio dos brasileiros, sobre o qual se calcula o aumento da inflação real para as famílias.
Depois da criação da “crise do tomate”, a mídia burguesa tem apelado a cada dia para outros produtos, tentando criar novos factoides.
Essa manipulação grosseira se baseia em duas táticas complementares.
A primeira delas é criar na população paranoias e preocupações desnecessárias que resultem em ações de massa que desgastem o governo.
Essa tática deu resultado, por exemplo, com o boato de que a Bolsa Família iria acabar.
Com isso, 900 mil representantes das famílias mais pobres, desinformados ou mal informadas, correram para as agências da Caixa, provocando um verdadeiro tumulto, sobretudo nas cidades do Nordeste.
Hipocrisia descarada
A segunda tática da burguesia é jogar uma cortina de fumaça sobre os verdadeiros problemas do país, lançando mão da hipocrisia descarada.
Em primeiro lugar, a burguesia e seus meios de comunicação sabem que existe uma tendência geral de aumento dos preços de todas as mercadorias que estão na sociedade, independente do preço de um único produto.
Ora, se há uma tendência de aumento de preços em todas as mercadorias, quem são os atores econômicos que aumentam os preços?
São exatamente os capitalistas proprietários das fábricas, supermercados ou lojas do comércio.
Portanto, é a base social tucana que opera o aumento dos preços, beneficiando-se com o aumento dos seus lucros.
Assim, o discurso por trás da inflação esconde interesses de classes.
Em segundo lugar, ao mesmo tempo em que exageram nas notícias sobre um “descontrole inflacionário”, fazem pressão pelo aumento das taxas de juros.
Nós, brasileiros, já pagamos os juros mais altos do mundo.
A taxa média de juros paga na economia pelos comerciantes e pelos consumidores é de 58% ao ano.
Os bancos que financiam esses empréstimos ganham 52% de lucro líquido, com a inflação em torno de 6% ao ano.
Não existe paralelo no mundo para a lucratividade dos bancos com crédito no Brasil.
Com isso, os brasileiros ficam endividados no cartão de crédito ou no cheque especial, que têm taxas que ultrapassam em média 100% ao ano…
Ou seja, é um verdadeiro assalto.
Para efeito de comparação, a taxa média de lucro nas economias centrais é de 13% ao ano. Essa taxa já faz brilhar os olhos dos capitalistas nesses países…
Nenhum porta-voz da burguesia brasileira protesta nos jornais, revistas e nas TVs contra esse assalto aos brasileiros que o capital financeiro pratica todos os dias.
Ao contrário.
Esses ideólogos defendem aumentos das taxas de juros como uma pretensa medida para controlar o consumo das massas e impedir o tal descontrole da inflação.
A terceira hipocrisia da burguesia é omitir que a taxa de câmbio da nossa moeda em relação ao dólar é irreal.
A comparação dos preços das mercadorias em dólar nos Estados Unidos e em real no Brasil indica uma taxa de câmbio necessária ao redor de U$S1,00 por R$3,00.
Essa posição é defendida por diversos especialistas da área.
A atual taxa de câmbio próxima a U$S 1,00 por R$2,00 está provocando um processo de desindustrialização da economia brasileira e reprimarização das exportações.
A produção das manufaturas, que geram emprego e valor agregado, não consegue mais competir no mercado internacional.
Essa taxa de cambio é provocada pela emissão descontrolada do papel dólar pelo governo dos Estados Unidos e pela avalanche de capital financeiro especulativo em nosso país, que vem para cá se proteger da crise.
Nenhuma palavra dos porta-vozes da burguesia sobre o “descontrole” da taxa de câmbio.
Ou seja, a mídia da classe dominante sequer protege sua fração industrial.
Controle dos alimentos
A quarta hipocrisia é esconder que grande parte dos produtos agrícolas que se transformam em alimentos no mercado interno é controlado por um oligopólio formado por empresas transnacionais.
Depois da crise de 2008, houve uma corrida do capital financeiro internacional e das empresas transnacionais sobre as chamadas commodities para se proteger da perda de dinheiro.
Assim, fizeram um brusco movimento especulativo, que fez com que os preços das commodities aumentassem em três anos, em todo mundo, nada menos do que 200%.
Esse aumento de preço foi repassado para os consumidores de alimentos.
Portanto, o aumento de certos produtos alimentícios tem como responsáveis os que multiplicaram os seus ganhos: as grandes empresas do agronegócio, como Bunge, Monsanto, Unilever, Cargill, Nestlé, Danone, entre outras.
A quinta hipocrisia da mídia burguesa é ignorar que o Brasil é um dos maiores produtores mundiais de milho, enquanto a falta de alimentos dizima 18 milhões de cabeças de bois, vacas, porcos e bodes no Nordeste.
Foram colhidas 60 milhões de toneladas de milho na última safra.
No entanto, diante da pior seca no Nordeste, morrem os animais criados por camponeses da região.
A morte desses animais será uma perda irreparável para a população nordestina, que pode demorar uma geração para repor o rebanho dizimado.
As famílias se salvaram da fome graças a saques, aos benefícios do Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural) e ao programa Bolsa Família, que garantiram renda para fazer a feira e se alimentar.
Diante dessa situação, a presidenta Dilma Rousseff mandou seus ministérios tomarem providências.
O Ministério do Desenvolvimento Agrário resolveu doar tratores produzidos no Sul para as prefeituras do Nordeste. Foi só um negócio que não alterou questões estruturais.
Independente da situação, o Ministério da Integração Nacional continuou com a distribuição de lotes de perímetros irrigados para empresários do Sul, em vez de beneficiar os camponeses da região que padecem com a falta de água.
A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) foi autorizada a comprar milho para levar para o Nordeste e salvar o rebanho.
No entanto, a companhia fez vários editais e não encontrou quem vendesse milho suficiente para a demanda. Por quê?
A safra de milho é controlada por empresas transnacionais.
A Cargill e a Bunge exportaram nada menos que 18 milhões de toneladas de milho para os Estados Unidos no último ano.
Esse milho voltou ao país como etanol, importado por esses mesmas empresas.
Com isso, o preço do etanol se mantém bem acima do seu valor real.
Se o governo quisesse resolver o problema, poderia requisitar a produção de milho, proibir as exportações e salvar o rebanho no Nordeste, enfrentando o problema das mortes dos animais causado pela seca.
Nenhuma palavra na imprensa burguesa sobre a falta de milho no país campeão de produção agrícola.
Na verdade, foram escondidas as raízes da perda do rebanho no Nordeste.
Dessa forma, a mídia burguesa demonstra seu compromisso com o interesses do grande capital financeiro internacional.
Os meios de comunicação da classe dominante, “preocupados” com a inflação, omitem questões centrais relacionadas à formação dos preços no país.
Assim, os verdadeiros problemas que a sociedade brasileira enfrenta ficam submersos diante da manipulação e da hipocrisia dos donos de jornais, revistas e redes de televisão.
João Pedro Stedile é economista e coordenador do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST).
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