terça-feira, 21 de janeiro de 2020

No contexto brasileiro, a Constituição de 1988 considera a saúde direito de todos e dever do Estado. Para garantir esse direito, criou o Sistema Único de Saúde (SUS), que se baseia em três pilares: universalidade, igualdade de acesso e integralidade no atendimento. A criação do SUS foi indiscutivelmente uma grande conquista democrática. Antes dele, apenas pessoas com vínculo formal de emprego ou que estavam vinculadas à previdência social poderiam dispor dos serviços públicos de saúde. Hoje, 28 anos após sua criação e mesmo enfrentando problemas financeiros, políticos e administrativos, o SUS continua sendo destinado a todos e muitas políticas públicas floresceram a partir dessa visão. A integralidade, um dos princípios do SUS, diz respeito a uma compreensão mais abrangente do ser humano que se pretende atender. Conforme determina a Constituição, o sistema de saúde deve estar preparado para ouvir o usuário, compreender o contexto social em que está inserido e, a partir daí, atender às suas demandas e necessidades, atentando sobretudo para a prevenção de doenças ou agravos de saúde. De acordo com o texto constitucional, o Estado tem o dever de oferecer um “atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais”. Assim, cabe ao Estado estabelecer um conjunto de ações que vão desde a prevenção até a assistência curativa, nos diversos níveis de complexidade. No entanto, este conceito tem possibilitado uma interpretação de que o SUS deve garantir “tudo para todos”. O cotejamento da realidade orçamentária com essa concepção, quase acrítica, de que tudo deva ser ofertado, na ótica de que tudo é direito do cidadão, tem contribuído para o crescente fenômeno da judicialização. No Brasil, o ônus das decisões judiciais em saúde recai com mais frequência sobre os gestores públicos, embora atinja também o setor privado, em particular a medicina suplementar. Assim, o instituto das liminares, ferramenta jurídica de defesa dos direitos do cidadão, é utilizada no âmbito do SUS para que ele consiga acessar procedimentos cirúrgicos ou medicamentos, geralmente de alto custo, necessários para a sua sobrevivência. A questão se torna ainda mais polêmica quando a decisão judicial abrange terapias experimentais ainda sem eficácia comprovada ou não aprovadas nos órgãos de controle do País, ou, então, quando não integram o conjunto de procedimentos inseridos nos protocolos clínicos do SUS. Outro ponto que torna a judicialização complexa para o SUS é a indefinição de responsabilidades entre as instâncias federal, estadual e municipal. A jurisprudência majoritária do Supremo Tribunal Federal (STF) tem entendido que a responsabilidade pelas ações e serviços de saúde constitui obrigação solidária entre União, estados e municípios. É indiscutível que a integralidade, prevista no texto constitucional, representa uma conquista que qualificou o SUS como a principal política de inclusão social na história brasileira. Há notórias conquistas no sistema, como a distribuição gratuita de medicamentos para várias doenças crônicas e a reconhecida Política Nacional de Doenças Sexualmente Transmissíveis e Aids, exemplos de iniciativas que surgem da concepção de saúde como um direito universal. Não se pode desconsiderar, entretanto, a realidade da escassez econômica e do subfinanciamento da saúde, que pode piorar ainda mais com a aplicação da Desvinculação de Receitas da União (DRU), prorrogada até 2023 e ampliada pela Emenda Constitucional nº 93, de 8/9/2016, que autorizou a União a realocar livremente 30% das receitas obtidas com taxas, contribuições sociais e de intervenção sobre o domínio econômico (Cide), que hoje são destinadas, por determinação constitucional ou legal, a órgãos, fundos e despesas específicos. Escassez econômica e subfinanciamento da saúde se somam a outros fatores agravantes, como o envelhecimento da população e a incorporação de novas tecnologias onerosas, para nos levar a uma encruzilhada entre o que é direito e o que é possível. Para sair dessa encruzilhada e estabelecer um novo pacto social na temá

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Médico Clínico e Sanitarista - Doutor em Saúde Pública - Coronel Reformado do Quadro de Dentistas do Exército. Autor dos livros "Sistemismo Ecológico Cibernético", "Sistemas, Ambiente e Mecanismos de Controle" e da Tese de Livre-Docência: "Profilaxia dos Acidentes de Trânsito" - Professor Adjunto IV da Faculdade de Medicina (UFF) - Disciplinas: Epidemiologia, Saúde Comunitária e Sistemas de Saúde. Professor Titular de Metodologia da Pesquisa Científica - Fundação Educacional Serra dos Órgãos (FESO). Presidete do Diretório Acadêmico da Faculdade Fluminense de Odontologia. Fundador do PDT, ao lado de Leonel Brizola, Darcy Ribeiro, Carlos Lupi, Wilson Fadul, Maria José Latgé, Eduardo Azeredo Costa, Alceu Colares, Trajano Ribeiro, Eduardo Chuy, Rosalda Paim e outros. Ex-Membro do Diretório Regional do PDT/RJ. Fundador do Movimento Verde do PDT/RJ. Foi Diretor-Geral do Departamento Geral de Higiene e Vigilância Sanitária, da Secretaria de Estado de Saúde e Higiene/RJ, durante todo o primeiro mandato do Governador Brizola.