Antártica: a descoberta de uma antiga floresta tropical sob o gelo
Cerca de 90 milhões de anos atrás, quando o planeta era habitado por dinossauros, a Antártica não parecia com o que é hoje. Foram encontrados os restos mortais de uma floresta tropical abaixo das crostas de gelo. Como isto foi possível?
A renomada revista científica Nature publicou recentemente um trabalho de pesquisa realizado por um grupo de profissionais do Reino Unido e da Alemanha. Neste trabalho, os pesquisadores encontraram no fundo do mar, próximo ao Polo Sul, algo que os surpreendeu. Trata-se dos restos mortais de uma antiga floresta tropical e úmida na Antártica, durante o pico de calor da era Cretácea Média, a cerca de 90 milhões de anos atrás.
O período Cretáceo Médio foi um dos mais quentes dos últimos 140 milhões de anos, impulsionado pelos níveis de dióxido de carbono atmosférico (CO2) de aproximadamente 1000 ppm em volume. Uma hipótese antiga concentra-se no fato de que uma erupção vulcânica poderia ter levado a um aumento do CO2 na ordem de quatro a seis vezes maior em relação ao período pré-industrial, gerando o aumento da temperatura global.
Os pesquisadores areproduziram uma imagem de como seria a floresta tropical da Antártica, onde se podia ver a flora e um vulcão fumegante.
Na época, o nível do mar era 170 metros mais alto do que o de hoje e acredita-se que as temperaturas da superfície do mar nos trópicos tenham atingido os 35ºC. Até hoje, pouco se sabia sobre as condições ambientais no sul do Círculo Polar Antártico devido à ausência de registros geológicos, mas foi debatido se o gelo polar poderia existir em tais condições. Agora, um grupo de pesquisadores encontrou evidências irrefutáveis de que o “continente branco”, como é conhecida a Antártica, estava coberto por uma floresta tropical na época dos dinossauros.
A grande descoberta
Em 2017, uma equipe de pesquisadores europeus perfurou vários buracos no solo do fundo do mar na Antártica ocidental, próximo da localização das geleiras Pine Island e Thwaites (infelizmente, ambas apresentam sinais de derretimento acelerado devido ao atual aumento de temperatura global).
Ao analisar as amostras colhidas em solo congelado, os pesquisadores descobriram a presença de raízes intactas, pólen, samambaia e esporos de musgo na lama ossificada e bem preservada da Antártica. Além disso, após a tomografia computadorizada, eles também foram capazes de detectar restos de plantas com flores e estruturas celulares individuais intactas. Isto mostra que naquela época o mundo estava muito mais quente do que se pensava, tanto que abrigava florestas tropicais na Antártica.
O autor principal do artigo, Dr. Johann Klages, geólogo do Centro Helmholtz de Investigação Polar e Marinha do Instituto Alfred Wegener, na Alemanha, disse em um comunicado à imprensa que: “Durante as avaliações iniciais a bordo, a coloração incomum da camada de sedimentos rapidamente chamou nossa atenção. Claramente se diferenciava das camadas superiores”.
Graças a estes testes foi possível concluir que uma floresta tropical temperada poderia ter crescido a menos de 965 km de distância do Polo Sul. Um dos autores do trabalho, o paleontólogo Ulrich Salzmann, da Universidade de Northumbria, no Reino Unido, afirma que numerosos restos de plantas indicam que a costa oeste da Antártica era, na época, uma floresta densa temperada e pantanosa, semelhante às florestas da Nova Zelândia hoje.
Antártica “arborizada e temperada”
A equipe de pesquisadores calculou que as temperaturas médias anuais neste continente haviam se aproximado de 13ºC na época. Pode nos parecer uma temperatura fresca e agradável, mas não é, considerando que Antártica anualmente passa vários meses no escuro total (nos quatro meses em que a noite polar dura, ou seja, um terço de cada ano sem luz solar).
Devido aos sedimentos encontrados, os pesquisadores foram capazes de calcular a temperatura média do verão ( cerca de 19ºC) e as temperaturas das águas nos rios e pântanos (chegavam até 20ºC). Além disso, eles descobriram que o volume e a intensidade das chuvas na Antártica ocidental naquela época eram semelhantes às de Gales hoje.
A relação com o dióxido de carbono
Antes do novo estudo, a suposição geral era de que a concentração de CO2 na atmosfera durante o período Cretáceo era de, aproximadamente, 1.000 ppm. Porém, o co-autor da pesquisa, Gerrit Lohmann (professor do Instituto Alfred Wegener, na Alemanha), afirma que “nos experimentos baseados em modelos, para se atingir as temperaturas médias daquela época eram necessários níveis de concentração de 1.120 a 1.680 ppm de CO2, na Antártica”. Ou seja, a concentração de CO2 na atmosfera também foi muito maior do que se supunha anteriormente.
Agora, os pesquisadores estão trabalhando para entender o que fez o clima esfriar tão dramaticamente para formar as camadas de gelo que vemos hoje.
Segundo os modelos atuais de simulação, nos próximos 100 a 200 anos as concentrações de CO2 na atmosfera podem ser iguais às que existiam quando a Antártica não estava coberta de gelo. Sem dúvidas, esta recente descoberta da floresta Antártica ajudará os pesquisadores de forma a melhorar seus modelos e a fazer estimativas mais precisas do aquecimento global causado pelos seres humanos.
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