Por que o Brasil e o mundo querem um pedaço da Antártica?
Oito anos após incêndio, Estação Comandante Ferraz foi inaugurada na quarta-feira (15); fatores geopolíticos, econômicos, ambientais e científicos explicam tamanho interesse pelo continente gelado.
A Estação Antártica Comandante Ferraz recebeu um investimento de US$ 99,6 milhões (cerca de R$ 400 milhões)
Foto: Divulgação Marinha do Brasil Oito anos após um incêndio que destruiu grande parte da Estação Comandante Ferraz e deixou dois mortos, o Brasil inaugurou nesta quarta-feira (15) sua nova base para pesquisas científicas na Antártica. A custo de US$ 99,6 milhões (cerca de R$ 400 milhões), o complexo é maior e mais moderno do que o anterior. Tem 4,5 mil m² de área construída, 17 laboratórios e capacidade para até 65 pessoas.
FOTOS: A nova base do Brasil na Antártica Estação antártica é sustentável e trará pouco impacto ambiental.
A base só estará funcionando plenamente dentro de três meses, quando terminará a fase de testes.
Segundo o governo, o objetivo é realizar pesquisas em áreas como oceanografia, biologia, glaciologia e meteorologia.
Mas por que o Brasil, assim como outros países do mundo, querem um pedaço da Antártica?
Fatores geopolíticos, econômicos, ambientais e científicos explicam tamanho interesse pelo continente gelado.
Estação antártica brasileira é inaugurada oito anos depois de incêndio
A Antártica é o continente mais inóspito do planeta e possui mais de 90% do seu território coberto de gelo.
Com 13 milhões de quilômetros quadrados, é maior do que a Oceania e do que a Europa. A título de comparação, caberia um Brasil e meio dentro do Antártica.
O gelo armazenado na região totaliza 25 milhões de quilômetros cúbicos ou 70% da água potável do planeta.
São mais de 170 tipos de minerais e grandes lençóis de gás natural.
Além disso, diferentemente de outros continentes do mundo, a Antártica não tem países.
Também não há uma população nativa.
Ou seja, não tem dono.
Oito anos depois do incêndio que destruiu a Estação Antártica Comandante Ferraz, base brasileira reabre para cientistas e pesquisadores.
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1. Importância geopolítica Como tudo sem dono, não demorou muito para que algumas nações passassem a reivindicar soberania sobre o território.
No início do século 20, começaram os impasses sobre tomaria conta da Antártica.
Sete países — Nova Zelândia, Austrália, França, Noruega, Reino Unido, Chile e Argentina — passaram a pleitear partes do continente gelado, sendo que três deles (Reino Unido, Chile e Argentina), áreas parcialmente coincidentes.
Em 1959, 12 países, incluindo Estados Unidos e União Soviética, firmaram o chamado Tratado da Antártica.
Pelo acordo, os países signatários concordavam em suspender as querelas sobre a divisão do continente.
Também preconizava que, até que uma solução fosse encontrada, o continente seria usado para fins de pesquisas científicas por todos, desde que respeitados alguns limites, como a proibição de instalação de bases militares, testes de armas, explosões nucleares ou eliminação de resíduos radioativos. Infográfico mostra nova estação brasileira na Antártica — Foto: Amanda Paes/G1Infográfico mostra nova estação brasileira na Antártica — Foto: Amanda Paes/G1 Infográfico mostra nova estação brasileira na Antártica — Foto: Amanda Paes/G1 Atualmente, mais de 50 países fazem parte do tratado. O Brasil aderiu ao acordo em 1975 e, nove anos depois, em 1984, estabeleceu a Estação Comandante Ferraz. No caso brasileiro, a questão política estratégica é ainda mais importante porque a principal rota para acesso ao continente antártico passa pelo Atlântico Sul. Com a maior costa atlântica do mundo, o país "acompanha com especial atenção essa região, na qual se encontram sua fronteira marítima e suas rotas comerciais, turísticas e de comunicação", assinala um estudo do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), publicado em 2018. 2. Importância ambiental Além de ter mais de dois terços das reservas de água doce do mundo, a Antártica desempenha um papel importante na manutenção do equilíbrio de calor da Terra. Em outras palavras: ajuda a amenizar o aquecimento global. Pássaro avistado na Ilha Rei George, na Antártica, onde foi inaugurada a estação brasileira de pesquisas no continente gelado —
Foto: Reprodução/TV GloboPássaro avistado na Ilha Rei George, na Antártica, onde foi inaugurada a estação brasileira de pesquisas no continente gelado — Foto: Reprodução/TV Globo Pássaro avistado na Ilha Rei George, na Antártica, onde foi inaugurada a estação brasileira de pesquisas no continente gelado — Foto:
Reprodução/TV Globo Além disso, as águas que cercam a Antártica são parte essencial da chamada "Correia Transportadora Oceânica", um cinturão formado pelas correntes oceânicas que percorre todo o planeta. Sem a ajuda dos oceanos ao redor da região, as águas da Terra não circulariam de maneira equilibrada e eficiente. No caso do Brasil, o que acontece na Antártica influencia diretamente seu clima, devido à proximidade entre o continente e a América do Sul.
Milhares de espécies também habitam a região, como pinguins, por exemplo.
3. Importância econômica Especialistas estimam que a Antártica possa ter uma reserva de 200 bilhões de barris de petróleo, muito maior do que a de alguns países do Oriente Médio, como Kuwait e Emirados Árabes Unidos. O petróleo antártico é extremamente difícil de ser alcançado e, no momento, proibitivamente caro para extrair. Em 1991, o Protocolo de Madri baniu por 50 anos a exploração mineral no continente antártico.
Contudo, o temor é que, quando chegar o momento da renovação do acordo, o mundo possa estar desesperado por energia e a Antártica acabe se tornando o novo "eldorado" do petróleo.
4. Importância científica
Uma ampla variedade de pesquisas científicas está em andamento na Antártica.
Sendo assim, manter uma base no continente gelado é importante para realizar pesquisas em condições extremas e entender melhor o funcionamento do planeta.
Segundo especialistas, o continente gelado é uma espécie de "registro" de como era o clima do nosso planeta nos últimos 1 milhão de anos.
A região também revela muito sobre o impacto da atividade humana na natureza.
Em 1985, por exemplo, cientistas da British Antarctic Survey (BAS, na sigla em inglês) descobriram um buraco na camada de ozônio sobre a Antártica.
O buraco é resultado do dano à atmosfera causado por produtos químicos fabricados pelo homem.
Base Halley VI, mantida pelo Reino Unido há 54 anos.
O buraco na Camada de Ozônio foi identificado por cientistas nestas instalações — Foto: British Antarctic SurveyBase Halley VI, mantida pelo Reino Unido há 54 anos. O buraco na Camada de Ozônio foi identificado por cientistas nestas instalações — Foto: British Antarctic Survey Base Halley VI, mantida pelo Reino Unido há 54 anos. O buraco na Camada de Ozônio foi identificado por cientistas nestas instalações — Foto: British Antarctic Survey Especialistas também veem a Antártica como uma nova fronteira para a descoberta de medicamentos.
Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, o microbiologista Luiz Rosa, professor da Universidade Federal de Minas Gerais, falou sobre o primeiro experimento realizado na nova estação.
Ele coletou fungos do ar da Antártica.
"São penicílios, produtores de penicilina.
Eles dominam aqui na Antártica.
Existem várias colônias, linhagens selvagens, espécies novas que podem produzir novas penicilinas.
As bactérias vêm demonstrando resistência aos antibacterianos atuais, então é muito importante estudar e buscar novos antibióticos", disse ele ao jornal.
Até astrobiólogos, que estudam a possibilidade de vida fora da atmosfera da Terra, analisam materiais encontrados na Antártica.
Em 1984, um meteorito de Marte foi encontrado na Antártica.
Eles descobriram que as marcas neste meteorito eram semelhantes às marcas deixadas pelas bactérias na Terra.
Se este meteorito, com milhões de anos, realmente tiver restos de bactérias marcianas, seria a única evidência científica de vida fora da Terra.
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